terça-feira, 31 de março de 2009

A verdade cega

Eis o texto que saiu hoje no site A voz do cidadão, que pauta a CBN, publicou hoje esta crítica da peça escrita pelo Jornalista Jorge Maranhão


A superação do espaço cênico com múltiplas linguagens artísticas

Óidipous, filho de Laios - A história de Édipo Rei pelo avesso, de Antonio Quinet


A verdade às vezes cega porque ofusca. E a chamada crítica teatral da grande mídia não tem aberto bem os olhos para uma dramaturgia que tenta superar o espaço cênico com múltiplas linguagens artísticas e com um texto, por exemplo, transcriado da clássica peça de Sófocles, como afirma o próprio autor Antonio Quinet. Como o próprio oráculo Tirésias, cego e, por isso mesmo, portador da verdade, da decifração dos enigmas. Pois neste caso é vantagem combinar o olhar do psicanalista com as mãos do diretor de cena teatral, como é o caso de Quinet. Por que ele sabe que Tirésias é cego para melhor “ver” a verdade na sua dimensão essencialmente ideal, como de sorte, todo o pensamento idealista-platônico daquela época. No seu louco afã de se limitar ao texto antigo, muita vez a crítica é míope, conservadora e intolerante para fruir a abertura e polissemia de verdadeira obra-de-arte. Como diz o autor na apresentação de seu trabalho, se trata de revirar o mito de Óidipous pelo avesso pois o texto de Sófocles e suas interpretações e encenações se limitam ao parricídio e o incesto quando, pelo avesso, está na verdade o filicídio de Laios contra Óidipous. Como na diferença que marca o De’s misericordioso de Israel que segura a mão de Jacó no momento em que este tenta sacrificar Isac e o Deus cristão que não ouve a súplica de Cristo na cruz quando lhe pergunta por que o abandonou. A maldição para tamanha transgressão será a peste de todo um povo no vaticínio de Pélops a Laios que teria raptado seu filho Crísipo: - terás um filho que te matará. E Óidipous herdará a mesma maldição da esfinge: - farás sexo com tua mãe e matarás teu pai! Ou seja, o parricídio de Óidipous está justificado pela tentativa de filicídio de Laios. E a maldição se perpetua. Mas Óidipous sobrevive ao filicídio de Laios, ao seu triplo equívoco de nascer amaldiçoado, ao de matar o pai e se casar com a mãe, gerado e gerador, saindo e entrando pelos mesmos quadris de Iokaste. O preço é não querer saber e se cegar, pela inevitável herança da maldição lançada contra o pai. Mas para além da ação dramática e dos conceitos psicanalíticos, o que chama a atenção e está na origem da polêmica crítica, é a transgressão do autor ao próprio universo sagrado do teatro grego. Quinet se apropria dos textos de Sófocles e Ésquilo para recriar, ou transcriar, o drama de uma pulsão de morte, da relação de Óidipous com Laios. E mais transgride quando aproxima o universo da cultura grega com o universo da cultura Xingu. E aí a minha grata surpresa: o que pensava ser apenas uma citação de nossas origens, é mais do que isso, uma aproximação antropofágica de ambas as mitologias, onde a indígena digere a européia para a produção de uma terceira cultura. Como definiu o próprio autor: - em ambas a lei da hospitalidade é sagrada, ambos os povos da Grécia e do Xingu são panteístas e andam nus, para além do significado de Óidipous, como pés inchados, tal qual o Abaporu de Tarsila do Amaral, que marca a passagem de nosso modernismo e foi a própria inspiração de Oswald de Andrade para o manifesto antropofágico, onde deciframos nossas origens tanto gregas quanto indígenas. Resta saber se a crítica enxergou a essência do trabalho de Quinet: a necessária afirmação e transgressão de nosso olhar nacional e singular diante da farta mesa da mitologia grega. Ou será que não podemos mesmo participar do banquete mitológico universal? Confira você mesmo! http://oidipousfilhodelaios.blogspot.com/ http://www.youtube.com/watch?v=M1PXrzr95OU

31/3/2009

Todas as agendas para a categoria "Teatro":
A superação do espaço cênico com múltiplas linguagens artísticas

"Óidipous, filho de Laios", de Antonio Quinet, e a transgressão de nosso olhar nacional e singular diante da farta mesa da mitologia grega

31/3/2009

sábado, 28 de março de 2009

Affonso Romano de Santa'na comenta

Em resposta ao comentário de João Carlos Moura sobre a crítica de Bárbara Heliodora à peça Óidipous, filho de Laios, Affonso Romano de Sant'ana escreveu:

"João, havia visto a critica de Bárbara e percebi que (Óidipous, filho de Laios) mexeu com ela e seus princípios rígidos de teatro. Imagino que a peça seja isto que me diz, uma reinvenção do mito.(...)"

segunda-feira, 23 de março de 2009

Ela diz não, então vá !

Artigo de João Carlos Moura sobre crítica de Bárbara h
Heliodora em o Globo de sábado 21/3/09

No Rio estreou uma peça que já é sucesso em sua curta temporada. Imperdível : Óidipous, filho de Laios - A História de Édipo Rei pelo Avesso, releitura de Sófocles feita com absoluta criatividade pelo psicanalista e dramaturgo Antonio Quinet.
Quinet é um dos mais brilhantes psicanalistas brasileiros, seus livros já são traduzidos para vários paises, e não raro quando faz palesta no exterior ( EUA, Inglaterra, França...) as salas lotam. É dos lacananianos puros que segundo me disse o psicanalista frances ( em Búzios ) Dominique Inarra quando Quinet vai a Paris fazer palestra ele " fecha o consultório " e disputa lugar nas salas repletas. Quinet não se veste à Lacan, não faz trejeitos e fala para ser entendido. O seu sucesso na clinica é comprovado pelos resultados pró-vida que alcançam seus clientes.
Falo do Quinet psicanalista primeiro porque não posso imaginar psicanalista que não tenha cultura. Quinet é também grande admirador e colecionador de arte e decoração, e em suas peças de teatro artistas plásticos de alguma forma participam ; nos cenários, figurinos, vídeos etc, daí parte da riqueza visual sempre presente nas suas criações para o teatro que escreve e dirije.
Quinet não repete jargões do velho teatro, como desejaria a senhora Barbara Heliodora que ainda escreve em O GLOBO sobre " teatro " . Ela foi acusada de ser grande conhecedora de Shakespeare e isto lhe fez um grande mal : quando espera para ver a estréia de uma peça seus olhos recuam do século 18 para trás, até chegar à Grécia e às cavernas, começo do teatro.
E alí ela fica parada esperando ver o que não existe . Mas sem dúvida ela contribui imensamente para o teatro brasileiro quando fala mal de uma peça: eis então o segredo do seu "não" como um código a ser decifrado: o sucesso da peça ! Se ela diz " não " ao texto, aos cenários e figurinos, à interpretação dos atores e gente da qualidade de Regina Miranda ( responsável pela direção de movimento) é porque algo espetacular, novo, está em cena . E merece ser visto. E na primeira semana de apresentação no SESC do Rio ( Copacabana) as salas estão sempre lotadas. A revista VEJA deu destaque em meia página para a peça Óidipous recomendando como entre os espetáculos no Rio que merecem ser vistos.
Nesta montagem o clássico Édipo-Rei de Sófocles há uma transformação ( a mágica do teatro) - ou paralelo - entre o homem grego, o homem do Xingu, e o homem da cidade . Mais atualidade que isso impossível . Seria muito mais fácil que Quinet seguisse os manuais do bom tetro grego ( como desejaria a senhora de teatro ) do que ousar-ousar como faz com sucesso na peça em cartaz no Espaço SESC- Mezanino com 80 lugares . O espetáculo fica até 5 de abril. E Quinet dramaturgo já está também no primeiro time.

* psicanalista e artista plástico

sexta-feira, 20 de março de 2009

Óidipous, a permanência do Inconsciente

Sobre a crítica de Macksen Luiz
em O Jornal do Brasil de 19/03/09

Em sua crítica de ontem da peça, Macksen demonstra que nossa peça apresenta o essencial do que queremos transmitir.

Ele escreve: "Óidipous, filho de Laios, em cartaz no Mezzanino do Espaço SESC, adaptação de Antonio Quinet para a tragédia Édipo rei de Sófocles, se submete às perigosas implicações comuns a qualquer transposição que intente o avesso do original." Constata, portanto, que a história que a peça conta é a história de Édipo rei pelo avesso, ou seja, através do filicídio e do relato do pai morto, Laios, cujo monólogo inicia a peça. Laios no reino do Hades, no meio de espectros que se movem como vermes nús, conta sua história e a de seu filho. Eis a ante-cena que interpolamos ao texto de Sófocles.

Saber e arte
Macksen chama a atenção de como a peça é fruto de intensa pesquisa, ou seja, que não é mais uma mera adaptação, mas que tem um embasamento teórico multidisciplinar. "Ao sobrepor interpretações culturais, filosóficas e psicanalíticas ao desvendamento da verdade, esta encenação de Édipo retrata os atos interditos do personagem e o caráter trágico do conhecimento como pontos de reflexão." Ficamos felizes de constatar que a peça está transmitindo a articulação entre os atos do parricídio e do incesto efetuados por Édipo e sua paixão da ignorância que o dificulta em seu caminho de desvendamento da verdade (que seu pai quis matá-lo e que seus atos estão vinculados à maldição que seu pai recebera).E chama a atenção do leitor para a articulação entre a pesquisa acadêmica e a arte tanto no texo quanto na encenação: "A transcriação do texto e a direção de Quinet deixam evidente que a cena foi construída a partir de análises teóricas e projeções interculturais que traduzissem, com recursos teatrais, a proposta de investigação".

Inconsciente permanente e fundador

O mais interessante para nossa Cia. é ter alcançado o objetivo de colocar o Inconsciente em cena (nome de nossa Cia.). Diz o conceituado crítico, com sua fineza concisa: "O espetáculo busca na ritualização - em que civilizações como a grega e a indígena se encontram, ou tentam se encontrar, num espaço psicanalítico - a integração das linguagens. A idéia de fundação e de permanência do inconsciente se transporta por épocas e culturas, dimensionadas em signos que perpassam cada uma delas". O transculturalismo e transhistoricidade do Inconsciente é aqui captado por Macksen apontando para a universalidade de Édipo não só como desejo inconsciente mas como objeto do Outro no Inconscinete, que é o foco de nossa adaptação. De objeto admirado e amado ele passa a odiado e expulso, como fôra quando nasceu. A utilização na montagem de elementos indígenas (máscaras, maquiagem, instrumentos musicais dos índios do Xingu), gregos (textos no original e fragmentos musicais) e orientais (peças de figurino e sinos tibetanos), música tocada em alaúde barroco, vídeo contemporâneo são alguns dos signos mencionados por ele, o que aliás são retomados adiante em sua crítica.

A tragicidade em cena
Macksen nomeia esses signos: "Os sons, as máscaras, as vestes, a maquiagem, todos os elementos se combinam para criar esse multiculturalismo cênico, e alcançar conceitos como essência, tragicidade, paradigma". Eis alcançado nosso objetivo: levar os conceitos à expressão artística e mostrar no palco o Inconsciente trágico com seus desejos criminosos, com seus paradoxos, com todas as maldições herdadas, com a desmedida do gozo que nos impulsiona a realizar o impossível e as consequências dos atos impensados. Tudo isso o sujeito sabe sem saber - eis a tragicidade do conhecimento. É a essência do homem que esta tragédia traz aos palcos com toda sua complexidade. "Sou triplo equívoco, diz Óidipous, ao nascer, ao casar a ao matar". Esses equívocos não são só deles, podem ser de todos. O Coro, no Estásimo IV, diz 'Óidipous, és paradigma da condição humana".

Obrigado, Macksen Luiz.

Antonio Quinet
Cia. Inconsciente em Cena

terça-feira, 17 de março de 2009

Teirésias entre gozo e verdade

TEIRÉSIAS:
Você não se enxerga! A escória dessa cidade é você!

ÓIDIPOUS:
Você ousa me acusar e pensa escapar ilesa?

TEIRÉSIAS:
Tenho comigo a verdade.



ÓIDIPOUS (irônico):
Você a recebeu de sua arte?

TEIRÉSIAS:
De você mesmo ao me obrigar a falar. Escute: você é o assassino procurado!

ÓIDIPOUS:
Você vai pagar caro por essas palavras

TEIRÉSIAS:
Sem saber, você se uniu aos seus e não vê o mal que fez!

ÓIDIPOUS:
Você acha que pode falar isso impunemente?

TEIRÉSIAS:
Uma vez desvelada, a verdade não pode ser afastada.

(Diálogo entre Óidipous e Teirésias no Estásimo I de Óidipous, filho de Laios)

Quem é Teirésias?
Teirésias (nome em grego de Tirésias), é o personagem na peça de Sófocles, retomado em Óidipous, filho de Laios, que se apresenta como Mestre da Verdade.


Em Óidipous, filho de Laios é uma mulher xamã que tem o dom de vidência ao incorporar uma suposta divindade, ou melhor, ao se tornar Outra (inclusive para si mesma). Ela incorpora e vê A Verdade, ao vestir a máscara (de indígenas do Xingu) para revelar a Óidipous quem ele é.

A história de Teirésias: homem & mulher

Segundo a mitologia, quando jovem, ao passear no Monte Citéron, Teirésias cruzou com duas serpentes copulando. Ao bater nelas separando-as, ele se transforma em mulher. Sete anos depois, ao passar pelo mesmo local, encontra novamente cobras copulando e, ao fazer o mesmo, volta a ser homem. Devido a essa experiência insólita de ter experimentado os dois sexos, Teirésias foi chamado por Zeus e Hera para opinar sobre uma querela do casal.e Quem goza mais no ato sexual: o homem ou a mulher? Tirésias disse que a mulher goza nove vezes mais do que o homem. Hera, ao ver assim desvelado o segredo feminino, ficou colérica e o fulminou com a cegueira. Zeus, para consolá-lo lhe deu a longevidade (para viver durante sete gerações) e o dom da adivinhação.






O gozo feminino e a verdade
A característica, portanto, principal de Teirésias é a de conhecer o gozo feminino, esse gozo do Outro, obscuro e opaco, que as mulheres guardam no segredo do inefável – eis sua grande vidência. É o que Lacan desenvolve no Seminário XX, ao situar o gozo feminino, como gozo do Outro (sempre em alteridade) e para-além do falo e da fala.
Em Óidipous, filho de Laios, Teirésias é a representante desse gozo que não se diz: uma mulher e xamã. É esse gozo experimentado, para além da linguagem, que lhe permite ser Mestra da verdade. Pois a verdade também não está totalmente na linguagem, ela não pode ser dita por inteiro. A verdade, como A mulher, é não-toda.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Teatro que desperta

Após o fim de semana de estréia com lotação esgotada envio comentário que a professora Aline Drumond da UVA enviou para seus alunos com cópia para mim.
Antonio Quinet

A PEÇA "OIDIPOUS FILHO DE LAIOS " É ANTES DE MAIS NADA UM TEATRO QUE NOS DESPERTA: NERVOS E CORAÇÃO !!!
PENSO QUE UMA VERDADEIRA PEÇA DE TEATRO PERTURBA O REPOUSO DOS SENTIDOS, LIBERA O INCONSCIENTE, PERMITE QUE NOSSOS RECALQUES ADQUIRAM VIDA.
SAI DA PEÇA BASTANTE AFETADA E RAPIDAMENTE ARTAUD SE FEZ PRESENTE EM MIM, "QUANDO TUDO NOS LEVA A DORMIR, OLHANDO COM OLHOS ATENTOS E CONSCIENTES, É DIFÍCIL ACORDAR E OLHAR COMO NUM SONHO, COM OLHOS QUE NÃO SABEM MAIS PARA QUE SERVEM E CUJO OLHAR ESTÁ VOLTADO PARA DENTRO".

É COM SEU TEATRO QUE QUINET NOS DESPERTA E NOS RESTITUI TODOS OS CONFLITOS EM NÓS ADORMECIDOS. FICA AQUI, ENTÃO, MEU AGRADECIMENTO AO MEU QUERIDO ANTONIO QUINET.

ALINE DRUMMOND

domingo, 15 de março de 2009

A base da encenação

Decifra-me ou te devoro
Óidipous, filho de Laios é uma reflexão sobre a essência do homem e o caráter trágico de nossa civilização renegado pela mercantilização generalizada onde tudo tende a ser superficial, descartável e fluido. Como Édipo, temos que decifrar o enigma da Esfinge – O que é o homem? – e o enigma da peste – Por que tanta destruição? Não há mais deuses. É o homem que tem que responder. Quem não o faz vive como cego, é devorado pela Esfinge e sucumbe à peste da vida. É preciso retomar a dimensão trágica da vida com seus paradoxos: o enigma da origem, o conflito entre a determinação inconsciente (e histórica) e as escolhas do sujeito, as vicissitudes do sexo e a tensão entre indivíduo e a coletividade. Focalizamos a dimensão mítica de nossa origem greco-indígena para abordarmos o real da existência.
Tebas é aqui – uma tribo outrora sofisticada e próspera hoje em extinção. A pulsão de morte está solta devastando multidões: doenças, rixas e guerras. O céu está vazio e os homens à deriva em busca de um salvador. O oráculo aponta o culpado: Óidipous, que sou eu, é você, e todos nós. Às cegas, o homem – grego, indígena ou urbano - erra pelo mundo sem conhecer o que determina suas ações. Só o saber sobre sua história e seus desejos pode levá-lo a ser capaz de fazer suas escolhas e produzir transformações.
A maldição dos Labdácidas começa com Laios (filho de Lábdacos), cuja desmedida o faz transgredir as leis da hospitalidade e raptar seu amante Crísipo, filho de Pélops, o qual o amaldiçoa: se tiver um filho este filho o matará - eis porque Laios manda matar Óidipous assim que ele nasce. Ao escapar do filicídio e tornar-se mais tarde rei, Óidipous, não quer saber da maldição herdada que, no entanto, está marcada em seu nome e em seu pé: comete o parricídio, casa com a mãe e transmite a seus filhos (entre eles Antígona) o tributo do gozo paterno.

sábado, 14 de março de 2009

A transcriação


O texto de Óidpous, filho de Laios, é uma transcriação da peça de Sófocles Édipo Rei com interpolações, a partir de várias versões em português, inglês, francês e cotejada com o texto grego. Transcriação é o termo de Haroldo de Campos para se referir a uma tradução cuja criação, a partir das opções do tradutor, produz um texto original. Seguimos a estrutura da peça de Sófocles (os diálogos intercalados com o coro) acrescentando: a ante-cena com o monólogo de Laios, o reino dos mortos; a cena do encontro de Óidipous com a Esfinge; o libelo de Iokaste a favor do incesto e seu monólogo suicida.
Toda transcriação é necessariamente uma interpretação. A nossa foi efetuada a partir da psicanálise e da filosofia e do ponto de vista do qual pretendemos contar a história: o tema da maldição herdada e a posição de Óidipous de ignorá-la. A maldição do Labdácidas, transmitida por Laios a seu filho e netos não está presente em Sófocles e sim em Ésquilo. Substituímos os deuses pelas qualidades que eles encarnam e consideramos que o oráculo de Delfos representa o que está inscrito no Inconsciente como determinação enigmática.
Mantivemos os nomes dos personagens e algumas palavras em grego, não só para o espectador provar o sabor da língua matriz, mas para mostrar como o nome de Édipo (Óidipous) pode ser escutado no enigma da Esfinge – o que é que tem quatro pés (tetrapous), dois pés (dipous) e três pés (tripous) – o qual é o enigma da origem, do ser e da história e do (não) lugar que lhe havia sido predestinado.
Ao longo de dois anos de pesquisa, com a colaboração de Fernando Salis e de Izabela Bocayuva e a consultoria de Jean Bollack, chegamos a uma versão do texto que, em seguida, ao longo de quinze meses de ensaios e pesquisa cênica, foi sofrendo modificações até a véspera da estréia em março de 2009.