terça-feira, 20 de outubro de 2009

O encantamento musical

Espetáculo Óidipous, filho de Laios encanta pública com efeitos sonoros
Extraído de: Prefeitura de Vitória - 15 de Outubro de 2009

Muitos efeitos sonoros fizeram parte do espetáculo teatral Óidipous, filho de Laios - A história de Édipo Rei pelo avesso, do grupo teatral Cia. Inconsciente em Cena (RJ). A peça foi apresentada na noite desta quarta-feira (14) no Teatro Universitário da Ufes, compondo a programação do segundo dia do V Festival Nacional de Teatro Cidade de Vitória.

Depois da apresentação, o palco do teatro deu espaço para uma palestra com o diretor da peça, o dramaturgo Antonio Quinet, e o artista plástico Gilbert Chaudanne, conhecedor de Nietzsche. O bate-papo girou em torno de vários pontos da produção teatral, entre eles a relação da psicanálise na adaptação.


Tragédia grega no palco

Óidipous, filho de Laios - A história de Édipo Rei pelo avesso é uma adaptação do original Sófocles Édipo Rei. A história foi contada com uma trilha musical executada ao vivo e chamou atenção do público com as indumentárias e a intensa dramaticidade da trama. O mito do Édipo Rei, interpretado na peça, é uma das bases da psicanálise.

atriz Aline Dias, que já tinha lido a obra que deu origem à peça, destacou a importância de uma adaptação como essa ser apresentada no Festival de Teatro. "O teatro nasceu na Grécia e essa tragédia tem que ser mostrada para o público porque trás um clássico muitas vezes esquecido. Isso só enriquece culturalmente as pessoas que estão assistindo", apontou.

Para o universitário Tiago de Carvalho, um dos pontos principais do Festival Nacional de Teatro Cidade de Vitória é fazer o intercâmbio cultural, trazendo peças de outros estados, como a adaptação de Édipo Rei, do Rio de Janeiro.

"Um festival como esse é muito bom porque traz peças diferentes, fora do circuito local. Isso ajuda a formar um público de teatro. Além disso o evento é gratuito e muitas pessoas, que às vezes não podem pagar, têm uma grande oportunidade agora", ressaltou.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O Real, o Simbólico e o Imaginário em Óidipous

A subjetividade teatralizada
A análise da tragédia grega implica considerar o pensamento grego distinto do atual. O homem grego era alguém profundamente implicado e próximo de seu ato. Isto quer dizer que pensar era, para ele, agir. Talvez, por isso, os poetas se preocupassem em representar teatralmente o que se passava na esfera subjetiva; não porque eles soubessem do inconsciente, mas porque era fundamental dar nome ao que se experimentava. Assim, Sófocles foi considerado, por Aristóteles, o “príncipe dos trágicos”, e seu Édipo Rei, a mais sublime e perfeita das tragédias, posto que ela é a encenação da experiência de engendramento do desejo, “a cena sobre a cena” onde o drama da existência tem lugar, articulando os planos do ator e do espectador num único enquadre. E, tomado essa perspectiva atemporal do drama do desejo, parece-me fundamental fazer um comentário sobre a leitura que Antonio Quinet faz dessa mesma tragédia.

O psicanalista artista
Toda vez em que um psicanalista é chamado a falar fora de seu consultório, ele não está, obviamente, no lugar que lhe cabe, o da direção do tratamento de seus analisandos. Quando ele reflete sobre alguma questão outra, sobretudo no campo da cultura, sua posição é a de se deixar ensinar pelo que escuta/olha, aprendendo com a arte o que nela precede sua formalização teórica. Assim, é porque o campo do desejo circunscreve na arte o material de seu efeito, que, podemos dizer, o artista nos dá, sem saber, acesso ao lugar da letra inconsciente do autor da obra.

O tempo da tragédia
No teatro, as coisas se passam na temporalidade do dito. As unidades da ação, do lugar e do tempo, tão caras ao teatro grego, juntam-se na sincronia de uma representação cujo ponto de partida é a articulação ente mito, coro e ditirambo. Num certo sentido, o teatro grego oferece a estrutura do inconsciente na cena representada. A “cena sobre a cena” recobre a divisão subjetiva do ator/espectador. Tempo real do nascimento da cultura ocidental.
Sem entrar num desenvolvimento detalhado, poderíamos dizer que a tragédia de Sófocles, Édipo Rei, explicita a força do desejo no seu desafio à ordem da cultura e da história, mostrando o conflito entre demanda e desejo, entre a dívida simbólica e a liberdade do desejo.
Seria o caso de perguntarmos: que sentido tem hoje o fenômeno trágico e a tragédia? Se o mundo contemporâneo admite o trágico, em que medida e de que maneira ele pode ser vivido?
O teatro da vida dentro do teatro, tão bem encenado por William Shakespeare, mostra-nos que o trágico vai-se modificando ao longo do processo de elaboração, de simbolização da experiência do sujeito. Por isso, cada autor tem do trágico uma leitura que lhe é singular e que depende do momento experimentado na elaboração de seu texto.

A força do desejo
Se toda escrita se realiza não só com os significantes, mas também e sobretudo com a letra no inconsciente, então a leitura de uma obra como Édipo Rei deve ser entendida no contexto e na temporalidade em que é mostrada. Aliás, não é possível outra fidelidade que a explicitada por cada dramaturgo na condição de autor/leitor da obra. Sua liberdade de criar sobre o texto original é a da medida de seu desejo, sendo ele o único sujeito da crítica cujo mérito é indiscutível; porque seu trabalho de elaboração resulta da peça encenada, sendo esta a mostração do que pode receber como transmissão de perda de sentido do que, no texto do autor original, é resto a ser nomeado.
Se, como diz Aristóteles, na Poética, “aquele que escreve está altamente comprometido com o seu escrito”, é porque, ao escrever, o sujeito dá lugar ao que de mais íntimo habita seu pensamento. Ao escrever, o autor/dramaturgo é comandado, sobredeterminado pelo que lhe é mais íntimo e mais estranho. Algo que pulsionalmente o excede, fazendo-o conhecer as coordenadas do autor secreto que o habita, verdade de um saber que desconhecia e que, de fato, o faz autor/leitor da obra.

RSI em Óidipous
Antonio Quinet oferece-nos, com sua Óidipus, filho de Laios, uma leitura pelo avesso do drama clássico de Sófocles, Édipo Rei.
Chama a atenção do espectador, a leitura da tragédia contemporânea que Quinet oferece do ponto em que a função paterna, estruturada na experiência edípica de cada sujeito, claudica na ilusão civilizatória de nosso tempo. Os três planos em que estrutura sua montagem articulam-se como Real, Simbólico, Imaginário do nó borromeano.
Ao Real, corresponderia a tragédia original, estrutura da cena do engendramento do sujeito. O drama é a experiência traumática de defrontamento do sujeito com a verdade de seu desejo. O plano Simbólico, achamos que está representado pela elaboração do espectador que lê a cena com a letra de sua própria experiência inconsciente. A ela, se articula, como derradeiro plano, o Imaginário indígena, onde as tribos primam pela transmissão oral de sua cultura, tal como ocorria na Antiga Grécia. Nesse caso, porém, o que tem valor de sintoma é o fato de sua existência, como “cultura diferente”, ser denegada pela cultura oficial. Os indígenas são considerados estrangeiros à nossa cultura, muito embora sejam os verdadeiros nativos da terra que ocupam. Por que será que a transmissão da civilização grega pode ser eficaz e as culturas primevas de nosso tempo não? Esta é, a meu ver, uma questão a ser pensada, pois, em alguns aspectos, por exemplo, na preservação ambiental, os indígenas estão a nossa frente.

A música e o abismo da significação
Um outro importante ponto da peça a ser mencionado é o uso da música. Não tanto a que se faz ouvir a partir dos instrumentos musicais, mas a que emana das palavras em grego. A forte sonoridade dessas palavras convoca um “abismo de significação”, conforme foi mencionado por José Eduardo Costa Silva, no debate no SESC Copacabana. Penso, contudo, que essa sonoridade margeie outros sentidos, como o da perda necessária da significação original do texto, uma vez que o trágico grego não corresponde à apreensão contemporânea do trágico, mesmo que saibamos que o que faz a tragédia ser eterna é o fato de ela ser inerente à experiência de todo sujeito na sua relação com o mundo.

Teresa Pallazo Nazar, psicanalista (Escola Lacaniana de Psicanálise)

domingo, 18 de outubro de 2009

V Festival Nacional de Teatro em Vitória

Vitória em Óidipous

Quero parabenlizar Antonio Quinet e todos os integrantes da Cia. Inconsciente em Cena pela belíssima apresentação de Oidipous no V Festival de Teatro de Vitória ES no dia 14 de outubro.
Os 650 lugares do Teatro da UFES foram esgotados, e todo esse público silenciosamente, acompanhou emocionado e atentamente o desenrolar da tragédia.
Esta foi à terceira vez que assistir a esse espetáculo, e a terceira vez que me emocionei com a estética e densidade desta peça. Porém, esta última apresentação trouxe algumas modificações e novos elementos que tornaram a peça mais bela, a movimentação cênica mais madura e trágica, como:
A participação brechtiana do diretor Antonio Quinet, trouxe maior compreensão à história de seus personagens, além de oferecer ao espectador um tempo de reposicionamento e direcionamento do desenrolar trágico.
A música de José Eduardo Costa Sila executada ao vivo que é belíssima, nos envolve na trama do espetáculo, levando-nos a sermos partícipes da ação.
Ao trazer para o palco, o Avesso da tragédia Édipo Rei de Sófacles de 2500 anos, somos convocados ao encontro com nossa determinação significante, a nossa pouca liberdade como sujeitos, através do desvelamento das causas que levaram Édipo ao encontro trágico de sua história.
Poderia Édipo fazer diferente?
Se ao nascer foi entregue para morte pelo seus próprios pais (Filicídio), se anterior a sua transgressão (o incesto) já havia a transgressão de seu pai Laios em relação a Lei de Hospitalidade da época, sendo inclusive esta, a causa de sua maldição, a peça nos impõe a pergunta,
Qual é então, a responsabilidade de Édipo?
A resposta mostrada por Quinet na apresentação desta tragédia é o “Não querer saber nada disso” de Édipo num momento anterior a descoberta de sua verdade. Pois, se até um bêbedo na cidade em que Édipo vivia conhecia sua história, e em seus pés e em seu nome essa verdade já se revelava, porque Édipo não quer saber nada disso, insistindo em continuar gozando de sua ignorância e indo tão cegamente ao encontro de seu destino?
Assim, podemos pensar que nesta transcriação de Antonio Quinet, encontramos todos os principais personagens não abrindo mão de seu gozo: Nem Laios, Nem Jocasta, Nem Édipo, levando a todos ao encontro trágico com a morte e a responsabilidade de cada em seu próprio gozo!

Ana Maria Domingues Carvalho, psicanalista em Vitória