sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Freud e a Esfinge

“De onde vêm os bebês?” eis para Freud o enigma da Esfinge.



Sigmund Freud

Toda criança coloca essa pergunta como um enigma antes mesmo de saber algo sobre a sexualdidade. Pode surpreender que Freud interprete assim o enigma da Esfinge. Mas o entendemos quando verificamos que o que está em jogo mesmo nessa charada da Esfinge é a questão sobre o desejo do Outro. De onde eu vim? Como vim para aqui neste mundo? Meus pais me quiseram? Desejaram que eu viesse? Acolheram-me?

O Outro me deseja? Será que meus pais me desejaram?
Qual o meu lugar no desejo do Outro? Tenho algum lugar aí?

Sou filho do Amor, do Acaso ou da Morte?

No enigma da Esfinge está em jogo a questão do saber o seu lugar em relação ao desejo do Outro, os pais.


A Esfinge - Irina Ionesco

Óidipous, tem os pés inchados porque seus pais quiseram matá-lo.

Não, Óidipous, você não tem lugar no desejo do Outro. Seus pais quiseram eliminá-lo quando você chegou. Você não tem lugar neste mundo.

Ou tem? E deve conquistá-lo?

De juiz a réu


No caso da peça de Sófocles sobre o Édipo, esse Outro não só é representado por seus pais verdadeiros como também por Tebas, a Polis. No início da peça ele tem um lugar de rei nesse Outro, de sábio, de salvador, pois ele com sua inteligência desvendou o enigma da Esfinge e liberou Tebas daquele terror. E daí vemos todo o povo a ele se dirigir suplicando que, assim como daquela vez, salvasse o povo e desvendasse o enigma da peste. Por que os deuses tinha enviado a peste? Por que eles estavam sendo castigados? Kreon traz de Delfos a resposta: a peste está aí por que o assassino de Laio ainda não fora punido. E ao se encarregar da busca, como um juiz, ele descobre que é ele o réu.

De rei a rebotalho
Ao longo da peça ele descobre que ele é a causa da peste e no final ele não morre como ocorre com outros heróis de outras tragédias gregas, mas é banido, exilado de Tebas. Édipo se torna um “sem-lugar”, Ektopos, e realiza assim o desejo do Outro (aqui os pais) de exclusão. Sua trajetória é de rei a rebotalho, de dentro de Tebas para fora dela, de desejado a expulso, de adorado a odiado.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O enigma dos pés

Dipous, tripous, tetrapous

A Esfinge - Franz Von Stuck




A Esfinge colocava o seguinte enigma para todos os que chegavam a Tebas.

Quem tem dois pés sobre a terra... e quatro pés...e três pés. E um só nome? Sem mudar de natureza ele pode se mover na terra, no ar ou no mar. Quando ele anda com o maior número de pés sua destreza é menor.
(cf. Asclepíades, poeta trágico do séc. IV AC que escreveu,segundo Jean Bollack, uma coletânea sobre as tragédias)

A versão resumida e simplificada foi a que ficou conhecida:

O que é que de manhã anda com quatros pés, de tarde com dois pés e de noite com três pés?
(cf. Apolodoro e Ateneu)


Óidipous respondeu “É o homem” e a Esfinge se mata jogando-se num precipício. Sua resposta é em parte verdadeira, pois na manhã de sua existência o homem engatinha de quatro como criança, depois como adulto anda com dois pés, na noite de sua velhice, ele caduca com três pés apoiando-se em uma bengala curvado com o peso da idade.


Mas só em parte sua resposta é verdadeira, pois ela “mascara o verdadeiro problema: o que é então o homem? O que é Édipo? A pseudo-resposta de Édipo abre-lhe as grandes portas de Tebas. Mas, instalando-o na chefia do Estado, ela realiza, dissimulando-a sua verdadeia indentidade de parricida e incestuoso" (J.-P. Vernant, Mito e tragédia na Grécia Antiga, Duas Cidades, 1977, p. 91).
O enigma da Esfinge é o enigma da identidade e da origem. O que sou eu? De onde vim?

É o “enigma dos pés”, pois a história de Óidipous está escrita em seus pés - seus pés inchados – que foram furados por seu pai na tentativa de matá-lo para que esse não o matasse e assim se cumprisse a maldição de Pélops. (vide texto deste BLOG “A maldição dos Labdácidas”).


Quem é tetrapous, dipous e tripous, Oidipous? Não dava para escutar o jogo de palavras contido no enigma? Édipo "é o-de-dois-pés", Oi-dipous. A resposta ao enigma da Esfinge é o próprio Édipo.

Sua resposta é, portanto, uma pseudo-resposta. E a Esfinge desaparece naquele momento, mas a verdade que ela encarna volta sob a forma da peste, anos depois, quando ele já tem quatro filhos com sua mãe, Iokaste.


Mas ele só escuta: o homem, no sentido de humanidade e não no sentido de que ele é "o homem" em questão.

Édipo liberta o povo de Tebas da pergunta sobre a verdade, sobre o que é o homem. Assim, ele “suprime o suspense da questão sobre a verdade da natureza humana que ele mesmo encarna” (Lacan, O seminário, livro XVII, O avesso da psicanálise, p. 113-114).

Óidipous, portanto, decifra o enigma da Esfinge e se torna rei, é considerado um sábio fazendo justiça a seu nome: Oi remete a oida que é “eu sei” e pous é “pé”. Édipo é "aquele-que-sabe-do-pé", ele é um “eu sei pé”. Mas é justamente isso que ele não quer saber, movido pela paixão da ignorância.
Ele não escutou o enigma dos pés. E não quis saber de sua origem e do crime do pai

O enigma que a Esfinge está colocando é o enigma do próprio Édipo. Ela está se referindo a ele mesmo: é ele que é ao mesmo tempo criança, adulto e velho. Pois com o incesto ele confunde as gerações sendo filho e marido da mãe e sendo irmão de seus próprios filhos e seria avô de seus sobrinhos se seus filhos tivessem descendentes.

Assim, o nome de Oidipous traz a marca de sua origem, ou seja, a marca de exclusão, a marca do desejo mortífero do Outro (representado por seus pais). Seu nome e seu corpo são os lugares de inscrição de sua história: ele nasceu como o herdeiro do trono de Tebas e seus pais negaram-lhe esse direito e o direito à vida.

Seu nome contém a pergunta e a resposta sobre a origem, a mesma que ele colocara ao oráculo de Delfos, quando saiu de Corinto para saber quem eram seus pais: “Quer saber onde nascestes? Teus pés inchados mostram que és de Tebas e que teus pais quiseram matar-te”.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Atualidade de Laios

O Tempo de Laiusar


O pai real do gozo: Édipo, Laio por Freud e Lacan

de Antonio Quinet

Estamos em tempos de Pai real. A figura representativa do Pai simbólico, aquele que une o desejo com a lei, que barra o gozo devastador da Mãe, o pai normativizador que protege e apazigua, esse pai está desaparecendo na aletosfera espessa produzido pela fumaça do desmatamento da subjetividade no mundo contemporâneo. De nada adianta lamentar o declínio da autoridade paterna, acusar o pai de humilhado, impotente e desdentado e receber o que todos já sabem que quem é o escravo da família é o papai.

A figura paterna que tem emergido de seu obscuro anonimato é o Pai real, o grande fodedor, como diz Lacan, o pai sacana fora da lei, gozador, que trata os filhos como objeto.




Temos como exemplo recente o austríaco Joseph Fritzl mantendo em carceragem sua filha por 18 anos nela engendrando seus próprios filhos. E o pai violento, possuído por uma ignorância feroz como o pai de Izabela que auxiliado pela madrasta num ato insano a atirou pela janela abaixo.




Nossa sociedade contemporânea parece viver o mito de Totem e Tabu às avessas: o desmoronamento da Lei simbólica deixa aberto o caminho para o retorno do cadáver vivificado do pai morto, o Urvater, figuração do Pai real, como pai gozador da horda primitiva, tirânico abusador e assassino, que é chamado por Lacan de pai Orangotango.


crânio de orangotango macho pongo pygmeo

O assassinato do pai e sua substituição simbólica por um totem, fez Freud dizer que no inicio era o ato – no inicio da civilização era o ato. Nesses tempos de barbárie contemporânea o que faz aparição não é o ato dos filhos impondo a Lei e sim os atos desmedidos do Pai real que faz a sua lei – lei do gozo – fora de qualquer Lei do campo do Outro.

O mito de Édipo à luz do Pai real do gozo
Laio e sua desmedida
Retormemos o mito de Édipo à luz do pai real e de Totem e Tabu. Quem é o pai de Édipo? Na verdade ele teve dois pais: o pai biológico Laio, rei de Tebas, que ele não conheceu e sem saber o matou, e Pólibo, que o criou em Corinto. Mas é Laio, que aparece como Pai real cuja desmedida constitui a Até, a desgraça, a maldição dos Labdácidos e que será transmitida e paga por três gerações: o próprio Laio, Édipo e seus filhos Etéocles, Polinice, Antígona e Ismênia. Laio é filho de Lábdaco, rei de Tebas e quando este é assassinado, ele é levado aos 2 anos de idade para a Frígia sendo recebido pelo rei Pélops que o adota. Laio tem também dois pais. Pélops tem um filho Crísipo o qual, ao chegar na adolescência, é entregue a Laios para educá-lo. Este se apaixona pelo menino e o rapta e Pélops lança, então, a maldição: "se tiveres um filho ele te matará e toda tua descendência desgraçada será". Daí vem a maldição e toda a história cujo desdobramento está na peça de Sófocles da qual vocês assistirão minha versão após esta mesa. A desmedida de Laios não foi ter tido relações com Crísipo, pois a relação pedagógica erastes-erômenos era aceita como uma relação pedófila normal de amante-amado, professor-aluno na qual o saber não é transmitido sem Eros. A hybris de Laios foi tê-lo seqüestrado e com isso ter rompido as leis da hospitalidade e traído aquele que o acolhera. A maldição de Pelops para Laio é o que o faz furar os pés de seu filho Édipo e mandar matá-lo.
Na minha interpretação, Édipo não quis saber do crime do pai e nem de sua tentativa de assassinato. Ele, em sua investigação, foi até o ponto em que descobre que ele matou o pai e que a mulher com quem está é sua mãe. Mas não vai, além disso pois não quis saber da maldição herdada e da desmedida paterna.

Laiusar
Se compararmos o desenvolvimento trágico da investigação de Édipo sobre sua origem, como o fazem Freud e Lacan, com o percurso de uma análise podemos dizer com Lacan que se Édipo tivesse tido tempo de laiusar ele talvez não teria tido o desfecho que teve.
Lacan introduz esse comentário sobre a peça de Sófocles Édipo Rei no seminário RSI quando aponta que o furo do simbólico, correspondente ao recalque originário, é a morte. A peste, diz Lacan, é isso: a morte é para todos. "É preciso que a peste se propague em Tebas para que esse "todos" cesse de ser de puro simbólico e passe a ser imaginável. É preciso que cada um se sinta concernido pela presença da peste". Esta é portanto, o real do furo do simbólico imaginarizado – peste que é o desdobrametno da calamidade provocada pela Esfinge, outra figura da morte e da Até, desgraça, dos Labdácidas. Édipo, continua Lacan, só matou o pai por não ter se dado o tempo de Laiusar. Se o tivesse feito, o tempo que fosse preciso, teria sido o tempo de uma análise, pois era para isso que ele estava na estrada" (Lacan, RSI, lição de 17/12/1974)
Laiuser em francês é derivado de lalue que significa discurso, fala, peroração no jargão das Escolas. User em francês significa utilizar e também gastar,usar até acabar como uma sola de sapato que de tanto se usar vai gastando e acaba. Na análise é preciso tempo para usar e gastar o pai real. Tempo para se ir para além do desejo de salvar o pai, defrontar-se com seu crime e vencer a ordem de ignorância feroz.

Salvando o pai... para não ver seu crime
Passando do mito à estrutura: é preciso tempo para se haver com o impossível do furo do simbólico lá onde jaz o gozo do pai rela imaginarizado uma vez que pai real e pai imaginário tendem a ser imiscuir um no outro. É o pai que a parece como abusador e criminoso na histeria e na neurose obsessiva cujo gozo se sintomatiza no filho. É o pai de tal paciente do hospital que a espancava quando ainda bebê ela chorava e que hoje seu sintoma é um choro sem fim e sem razão; ou o pai militar que colaborou com a ditadura militar de tal outra analisante que faz de seu corpo um palco de torturas, ou o pai fiscal do imposto de renda de um obsessivo que se enriqueceu ilicitamente deixando para o filho a dívida do eterno desemprego.
O neurótico prefere salvar o pai do que se deparar com sua canalhice; ele prefere sofrer com seu sintoma do que saber do crime do pai e suas conseqüências. Prefere, como Édipo, se sentir culpado de seus atos do que desvelar a desmedida do gozo paterno. Deparar-se com o real do pai é confrontar-se com a conseqüência da falta radical do Outro, ou seja, o gozo mortífero para além desamparo. E para isso é preciso Laio-usar – gastar o Laio de cada um.


O espectro do Pai
A posição do pai real, segundo Lacan, está articulada em Freud como um impossível e não é surpreendente, diz ele, que encontremos sem cessar o pai imaginário. É uma dependência necessária, estrutural. (sem. XVII). A imaginarização do pai real tem seu paradigma no ghost - o morto vivo.


Desenho de Gordon Craig para a cena do fantasma de Hamlet Pai (1908)

É o que vemos na figura do fantasma do pai: o espectro do cadáver vivo, como o pai do Homem dos ratos que apesar de morto lhe aparece vivo no meio da noite e o pai de Hamlet que além de aparecer tem fala. O espectro é o habitante dessa zona entre-duas-mortes, campo de gozo, do Hades ao inferno, onde penam as almas pecadoras e criminosas à espera da segunda morte. "Sou o espírito de teu pai e vivo errante noite e dia até que a podridão de meus crimes seja queimada e purificada" – diz o pai de Hamlet no início da peça. As mitologias criaram esse habitat para o pai real. Mas quem queima é o filho. Ele arde por causa dos pecados do pai, como diz Lacan (Seminário XI). Pai, não vês que estou queimando por causa de teus pecados? E o espectro do pai de Hamlet lhe diz que "a menor de minhas faltas angustiaria tua alma, gelaria teu jovem sangue e teus olhos saltariam das órbitas como os astros de suas esferas..."
Os crimes do pai são de um real que não cessa de não se dizer para o filho e no entanto insiste e se tornam um sintoma do filho – como a dívida do pai do homem dos ratos e o gozo oral do pai de Dora.
O espectro recobre, mascara, vela e também desvela o pai real ou o real do Pai. O espectro é a encenação da articulação entre o pai real e o pai imaginário. É o que se encontra, como diz Marc Strauss, na fantasia de Bate-se numa criança em que as cenas vêem ao sujeito petrificar, cristalizar um excesso como um ciframento primeiro, uma representação do inominável do gozo (Tréfle, maio 1999, nº 2, p. 48). Não importa se é efetivamente do gozo do Pai que se trata ou do gozo imaginarizado do Pai e sim do dispositivo que o sujeito emprega para endossar um gozo que se apresenta a ela como exterior, vindo do Outro.

"É proibido ver a nudez do Pai"
O pai do crime não é o pai da lei, o Nome-do-Pai. O pai estuprador, ladrão, assassino, são figuras do pai imaginário que do fórum à hybris do pai: o gozo desmedido. A desmedida do pai com seu real é aquilo que o filho, com força, não quer saber. O homem é como Édipo, filho de laio – ele não quis saber da desmedida paterna. No lugar do pai real existe, diz Lacan, a ordem de uma ignorância feroz (Seminário XVII, p. 159).
Há uma interdição: "Está excluído que se analise o pai real, diz Lacan em Televisão, o melhor que se pode é o manto de Noé, quando o pai é imaginário" (Télévision, Seuil, p.35).

O manto de Noé - Chagall

Um dia Noé se embriagou e ficou nu em sua tenda. Um de seus filhos, Chan, o viu e foi chamar os outros dois que, ao chegar, taparam os olhos e o cobriram com um manto para esconder a nudez paterna e saíram de costas. Estes se salvaram e a toda a descendência de Chan foi amaldiçoada. O que Noé fazia nu na tenda, jamais saberemos, mas sem dúvida era algo da ordem de um gozo que filho algum poderia em tempo algum ver ou saber. Toda nudez do pai será castigada... no filho.

O filicídio de Abraão

O pai que mata o filho é abordado por Lacan a partir do sacrifício de Isaac por seu pai Abraão comentado por Kierkegard descrito em temor e tremor em que descreve quatro variações do mito que se diversificam a partir do ponto em que Deus diz a Abraão:


"Sacrifica teu filho, mate-o!"


O sacrifício de Abraão - Caravaggio

É na primeira que ele descreve a tentativa de filicídio.. Abraão agarrou Isaac pelo peito, jogou-o no chão e gritou: "Estúpido! Crês tu que sou um pai? Não, não sou teu pai. Sou um idólatra! Crês que estou obedecendo a um mandato divino? Não. Faço isso somente porque me dá vontade e porque me inunda de prazer!". Abraão aparece como o pai real que diria: "Vou te matar por puro gozo!". "Então Isaac exclamou angustiado: 'Deus de Abraão tende piedade de mim! Sê meu pai, já não tenho outro neste mundo!'. Abraão se dirigiu a Ele, dizendo: Senhor onipotente receba minha humilde ação de agradecimento, pois é mil vezes melhor que meu filho acredite que sou um monstro do que perca a fé em ti" (Kierkegaard, 2004, p. 22). O pai monstro, capaz de matar o filho nem que seja por amor a Deus, é o que é transmitido ao filho como seu pecado.
É a propósito dessa passagem de Kierkeggard que Lacan diz no Seminário XI que o que se herda é o pecado do pai. Isaac herda o crime do pai de ter desejado matá-lo. Eis a herança de Isaac e também a de Édipo.

Óiidpous, o pé da letra

Diferentemente de Abraão, que no mito judaico-cristão recebe a ordem de Deus de matar o filho predileto como prova de seu amor, Laios ele mesmo decide matar seu filho Édipo para evitar que este o mate segundo a maldição oracular, fura-lhe então os pés e o entrega a um pastor para ser jogado no lixão do monte Citéron.
O Urvater de Totem e tabu, Noé com sua nudez, o Deus de Abraão, Yavé com sua ignorância feroz e Laios são figuras imaginárizadas e míticas do pai real.
Édipo carrega em seu nome e em seu corpo a marca do crime do pai. A ferida causada por seu pai ao furar-lhe os tornozelos para pendurá-lo como um animal e expô-lo e o edema que ocasionou foi o que lhe deu o apelido de Oidipous, de oiden, edema nos pés. O apelido virou nome próprio e a ferida deixou-lhe coxo. Seu pé carrega um saber (oida) sobre o crime do pai do qual Édipo não quis saber. A esfinge, como aponta Jean-Pierre Vernant, enunciava o enigma dos pés e equivocava com seu nome: "tetrapous, dipous, tripous" disse ela para Óidipous que ao dizer o homem como resposta suprimiu, como diz Lacan, o suspense da verdade. A verdade sobre a castração e o gozo de Laios – o pai real se manifesta em Édipo como aquele que determina a Até família dos Labdácidos do qual ele e sua descendência são herdeiros e também se manifesta como ignorância feroz: mandamento superegóico de não-saber. Eis porque para além do desejo de saber que o impulsiona a querer investigar sua origem, Édipo é possuído pela paixão da ignorância. Aliás, não será a força dessa paixão que faz Lacan dizer que finalmente não existe desejo de saber algum?
O que Édipo ignora é que seu nome é uma letra que cifra um gozo, o gozo do Outro paterno: o "x" da função do sinthoma, ou seja, uma escrita do gozo do Inconsciente.

Óidipous, o que é tetrapous, dipous, tripous?

Édipo e a Esfinge - Gustave Moreau

Óidipous, Pé Inchado é o signo do gozo do Pai que desejou matá-lo e do qual ele não quis saber; Óidipous, Pé-que-sabe é a letra que confere a marca do saber do real, saber do crime do pai da origem da Até dos Labdácidas - móvel do filicídio que faz de Édipo o objeto rejeitado pelo Outro – é o selo de seu ser de dejeto. Rejeitado pelos pais e, no final da peça de Sófocles, ao se apagar como sujeito, pelo Outro social, que representa Tebas. Óidipous não acredita em seu ser de synthoma, não acredita que ele seja capaz de um dizer, pois ele não quer saber que se trata aí de uma cifra do gozo. Eis porque erra em sua ignorância e fica escravizado pelo gozo do Pai, servo do destino. Édipo está preso à ignoerrância.
O crime do pai real como gozo desmedido é transmitido como erro trágico que o filho carrega como Óidipous com seu sintoma no pé.

A análise: tempo de pensar com os pés
Por um lado encontramos a herança da castração que se transmite de pai para filho: Lábdaco , o manco, Laio, o torto, e Édipo, pé inchado. Por outro lado, há a transmissão da maldição que Édipo herda como lote do gozo do pai inscrito em seu nome e seu corpo. Essa letra é o nome do gozo do pai real. O nome que condensa o gozo inscrito no enigma da Esfinge que Óidipous não ouviu.
O tempo da análise é o tempo de laiusar: tempo de laio-ousar – tempo de ter a ousadia de se confrontar com o crime e o gozo desmedido e ectópico do sujeito, que ele localiza no lugar do vazio do Outro – lugar topológico da desmedida do Pai real. É preciso tempo de peroração para o sujeito gastá-lo o suficiente para que se revele o que é: um nada esvaziado de gozo. O tempo de laiusar é o tempo de olhar para os pés, ouvir os pés e pensar com os pés.


Texto apresentado no V Encontro Internacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano em São Paulo, julho de 2008.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A maldição dos Labdácidas

O Crime de Laios, o Pai


O rapto de Crísipo por Laios e a maldição de Pélops


Laios (o torto, em grego), de acordo com a mitologia grega, é o pai de Óidipous ou Édipo, e filho de Lábdacos, rei de Tebas. Seu pai foi morto por bacantes vingativas pela repressão ao culto a Dionísio. Como Laios ainda era criança, a regência de Tebas foi entregue a Lico. Quando os tiranos Anfião e Zeto mataram o regente e tomaram o poder na cidade, o príncipe de Tebas foi exilado, ainda bebê, na Frígia, na corte do rei Pélops.

Lá foi educado e cresceu. Mais tarde, Pélops teve um filho, Crísipo, príncipe-herdeiro do trono frígio. Quando este se tornou adolescente, Pélops pediu a Laios que fosse seu preceptor, e este se apaixonou pelo menino.
Esse amor homossexual - tolerado pelos costumes gregos enquanto relação pedagógica/pedofílica - deveria ser interrompido quando Crísipo se tornarsse adulto. Mas não foi o caso.

Para continuar a viver seu amor, Laio armou um plano: ofereceu-se para escoltar o rapaz até os jogos de Neméia, onde ele iria participar como atleta. Após as competições, em vez de retornar à Frígia, Laio raptou Crisipo e fugiu para Tebas, onde pretendia recuperar o trono de seu pai, Lábdacos.

Furioso, Pélops perseguiu-os. Por ter perdido o herdeiro, Pélops culpou Laio e lançou sobre ele uma maldição:
“Se tiveres um filho ele te matará e toda tua descendência desgraçada será!”


(Sobre o destino de Crísipo, as versões divergem: ele se suicidou, foi assassinado pela madrasta ou foi levado com Laios para Tebas).


Em Tebas, Laios casou-se com Iokaste ou Jocasta e após a morte dos tiranos assumiu o trono. Assim, a dinastia labdácida foi reconduzida ao poder.

A maldição de Pélops foi ratificada pelos deuses do Olimpo, pois Laios transgrediu as leis da hospitalidade ao trair aquele que o hospedou raptando seu querido filho. Quando Laios tornou-se rei de Tebas, Hera enviou, para Tebas, a Esfinge, com seu enigma das três gerações e seu poder devastador, para punir Laios por seu crime de seqüestro.



The kiss of the sphinx - Franz Von Stuck


Ao consultar o oráculo de Delfos, este lhe disse “se você deseja salvar a cidade, então morra sem filhos”. O que para um rei era terrível: como morrer sem deixar um decendência?

Por causa da maldição, e do aviso do oráculo, Laios tentou evitar ter filhos. (mantendo, segundo Vernant, com a esposa uma relação desviada, do tipo homossexual).

“Mas, ele, cedendo ao prazer,
bêbado, possuído por Dionísio,
colocou dentro de mim
a semente de nosso filho.”
Iokaste, Prólogo de As fenícias, de Eurípedes

Quando nasceu o primogênito, Laios mandou furar-lhe os pés e abandoná-lo no Monte Citéron. Mas o bebê acabou recolhido por um pastor ( de Corinto) e batizado como Óidipous (o de pés inchados) ou Édipo.De acordo com a mitologia, a maldição de Pélops, conhecida como "Maldição dos Labdácidas" (a dinastia tebana iniciada com Lábdaco), foi concretizada quando o Óidipous, filho de Laios, , matou o pai e desposou a própria mãe, tendo com ela quatro filhos, que herdaram a maldição: Antígona, Ismênia, Eteócles e Polinice.


A maldição atingiu três gerações. Óidipous concretiza a mistura dessas três gerações, como apontava a Esfinge com seu enigma. Ele é “sócio de esperma de seu pai e pai-irmão de seus filhos” (cf. Óidipous, filho de Laios).

A característica de Laios é a desmedida, a Hybris, que o faz transgredir as leis da hospitalidade, em seguida descumprir a ordem do oráculo de não ter filhos e depois de tentar matar o próprio filho para que este mais tarde não o matasse, como previu o oráculo e acabou acontecendo.

“Penso, na antiga falta cometida, e tão logo punida,
mas cujo efeito
dura até a terceira geração;
penso na falta de Laios surdo à voz de Apolo, que,
por três vezes,
no assento fatídico de Pitho,
umbigo do mundo,
declarara que ele deveria morrer sem filhos,
se quisesse salvar a cidade”.
Coro em Sete contra Tebas de Ésquilo (versos 742-749).


Obs: Segundo Jean Pierre Vernant, Laios, o torto, “ao tornar-se adulto, mostra-se desequilibrado e unilateral nas usa relações sexuais e no seu relacionamento com seu anfitrião. Ele desvia seu comportamento erótico através de uma homossexualidade excessiva, com uma violência que faz o jovem Crísipo, filho de Pélops, sofrer, rompendo assim as regras de simetria, de reciprocidade, que se impõem tanto entre amantes como entre anfitrião e hóspede.” (Jean –Pierre Vernant, “O tirano coxo: de Édipo a Periandro”, Mito e tragédia na Grécia Antiga, Ed. Perspectiva, 2002, p 183-4).

sábado, 24 de janeiro de 2009

O céu está vazio

Óidipous, O-sem-Deus


O trágico é a passagem
do acasalamento homem-deus
para
a separação ilimitada entre eles.
Eis o que nos indica Hölderlin em suas “Observações sobre Édipo” (JZE, 2008).

Óidipous, filho de Laios traz à cena Óidipous atheos, sem a proteção divina, abandonado à sorte (tykhe). Óidipous é O-sem-deus: atheos. O céu está vazio.


Atheos

Deus é inoperante e infiel e o homem se afasta dele como um traidor/traído.

“Em meio à peste e à confusão de sentidos”, homem e deus são infiéis um ao outro. Óidipous não conta com deus algum e realiza um “afastamento categórico”. Pois ele se depara com a Gottes Fehl , a Falta de Deus. Trata-se da escolha forçada do sujeito de se afastar do Outro divino. Zeus virou-lhe as costas.

A voz de Zeus se calou.
O oráculo de Laois não vingou.
Apagou-se a glória apolínea.
O divino declinou.
(Coro – Estásimo II)


O trágico de Sófocles é “a ausência ou o afastamento dos deuses, que não mais assistem ou previnem os mortais” (Françoise Dastur, Reflexões, Relume Dumará, 1994, p. 183).

Assim , Óidipous Tyrannos de Sófocles é a uma tragédia moderna, pois comemora o dclínio dos deuses, o desvanecimento do Outro encarnado em um ser divino e mítico, entregando para o homem a responsabilidades de suas escolhas.

“Édipo rei é a tragédia da retirada categórica do deus à qual corresponde, da parte do homem, uma retirada equivalente que o conduz ao terrestre”. (Françoise Dastur, op.cit. p. 187).


Óidipous, filho de Laios traz à cena o encontro com a inconsistência do Outro com a qual o sujeito se depara numa psicanálise. Na tragédia, a “unificação ilimitada (com o Outro divinizado) se purifica (se transforma catarticamente) por meio de uma separação ilimitada”, diz Hölderlin (op.cit.). É a passagem da alienação à separação do Outro. (Lacan, sem. XI).

Essa passagem não é feita sem dor. Ela é trágica.


Deparar-se com a falta de um Outro protetor, acalentador, amoroso, apaziguador (e divino!) é sempre causa de angústia.
É ao meio de uma tragédia, no desespero, que invocamos o Nome-de-Zeus. E, na falta dele, aquele que pode ocupar esse lugar - que é o lugar do Pai.

Não há mais deuses.
A natureza se calou.
O céu está vazio.
Onde está quem nos salvou?
(Coro no Párodos)



E saber que não há Deus-pai isso é ruim?
Ora, o Outro é sempre um traidor, pois é falho, incompleto e inconsistente.
O Outro falta, como diz Lacan.
l’Autre manque.
Saber da falta do Outro, faz o sujeito se deparar com as próprias faltas e se responsabilizar por suas escolhas, seus atos e seus desejos. E não ficar mais acusando o Outro
e nem esperando dele a salvação.
O Outro é manco.

“A infidelidade divina é o que há de melhor para lembrar” (Hölderlin).
Que alívio!


sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A ignorância é a peste

Óidipous, a tragédia do não saber











Óidipous, filho de Laios
mostra a ambigüidade do sujeito
em relação ao saber.
Óidipous tem em seu nome e em seu corpo a marca do saber
(oida = eu sei; pous=pé).
E, no entanto, ele não sabe.

Óidipous sem saber mata o pai e possui a mãe; tem com ela quatro filhos.
Óidipous não sabe quem são seus pais, não sabe de sua origem; não sabe que seus pais tentaram matá-lo; não sabe porque foi vítima dessa tentativa de filicídio; não sabe do crime ético e sexual de seu pai, não sabe da maldição herdada.
Óidipous não sabe, que é ele mesmo o assassino procurado, que é ele mesmo a causa da peste.

Óidipous agiu, ou foi agido, por todo esse saber do qual não sabe. Ou sabe?

Esse saber não sabido é a marca do saber do Inconsciente. E do qual o sujeito se defende. À defesa do saber inconsciente, Freud deu o nome de recalque. A exemplo da tragédia grega, o teatro, segundo Artaud, é feito para permitir que nossos recalques adquiram vida” (O teatro e seu duplo, Martins Fontes, p. 3)

A tragédia de Sófocles é a tragédia do desvendamento da verdade do sujeito, o que fez Freud compará-la ao processo analítico. Pouco a pouco o sujeito descobre seus desejos criminosos: ele também é um Édipo.

Será que Óidipous quer saber?

SIM. A peça é toda ela uma investigação regida por Óidipious para saber quem é o assassino de Laios e em seguida quem são seus pais e qual é a sua origem? Ele foi movido pelo “desejo especulativo” (François Dastur) ele “quis saber demais” (Hölderlin) e essa teria sido sua desmedida (hybris).

NÃO. Óidipous não quis saber. Ele foi até o ponto de saber quem eram os pais mas não foi além. Ele não quis saber do gozo criminoso do pai, Laios, não quis saber da maldição herdada. Ele não foi movido pelo desejo de saber (o qual o próprio Lacan coloca em dúvida sobre sua existência) mas pela paixão da ignorância.

São três as paixões fundamentais do homem, segundo Lacan: o amor, o ódio e a ignorância. Óidipous é possuído pela três: tripous. O não querer saber é a pior dela e leva o sujeito ao pior.
Iokaste e o pastor imploram, ordenam a Óidipous: Pare a investigação!. Ele ele continua e descobre.
"Sou triplo equívoco: ao nascer, ao matar e ao casar." - diz Óidipous.
Mas a ordem feroz da ignorância permancerá.


A atualidade dessa peça desvela a importância de saber de seu desejo, de sua origem e do Outro num mundo científico-capitalista em que a ignorância da subjetividade é crassa e está em primeiro plano. A negação do Outro, o Inconsciente, do Outro, meu parceiro, do Outro, meu diferente.

Eis a peste com toda sua violência: a paixão da ignorância.










quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Obra em processo

Em 2007 foi criada a Cia. Inconsciente em Cena por Antonio Quinet, psicanalista e professor do Mestrado de Psicanálise, Saúde e Sociedade (UVA) para montar Óidipous, filho de Laios - versão contemporânea de Édipo Rei de Sófocles.














A montagem segue a estrutura da tragédia grega, e utiliza música ao vivo e linguagem multi-mídia, situando a "tribo" de Tebas na "fronteira greco-xingu", invocando nossas origens da civilização grega e de nossos índios.




















A Cia. Inconsciente em Cena acentua, na história de Óidipois (Édipo em grego), o tema tão atual do filicídio - cujas notícias de pais abusando e matando seus próprios filhos nos deixou aterrados em 2008 - e da ignorância de si mesmo.














A peça transmite a importância da análise pessoal de cada um: Quem sou eu? De onde vim? O que estou herdando e carrego no meu Inconsciente sem saber? Como evitar a desgraça herdada de gerações que me antecedem e que chamam de "destino"? Como melhor conviver com a condição humana em sua dimensão trágica? Questões presentes para os gregos, os índios e todos nós.




















A Cia Inconsciente em Cena é formada por alunos e ex-alunos da UVA, da UNIRO, do Conservatório de Música, atores profissionais e professores. Todos participam na pesquisa cênica, psicanalítica e musical que tem "como objetivo, diz seu Diretor, “ levar ao público, versões contemporâneas de temas universais que levem à reflexão sobre o sujeito do desejo, da história e da ética e suas manifestações no indivíduo e na cultura. E assim, trazer para a cena, numa linguagem artística e não-acadêmica, questões da psicanálise, da filosofia, da história, da mitologia, etc...".

O processo de trabalho da Cia. inconsciente em Cena implica em apresentações públicas periódicas do processo e a consideração da "obra inacabada", dentro da perspectiva que sempre haverá algo a ser dito, descoberto, melhor encenado, novas articulações de sentido, como o próprio Inconsciente, que trabalha dia e noite.





É uma Cia. em formação permanente. Da cena, dos atores, da equipe, da Cia.








Assim como numa análise, as descobertas cênicas acontecem no decorrer do processo de ensaios e discussões ao se analisar o texto e deixar vir as informações inconscientes que darão a verdade da cena. Entre a descoberta e a criação.
A Cia Inconsciente em Cena, vem apresentando ao público em ocasiões especiais Óidipous, filho de Laios, seu processo de trabalho que já foi visto por 1.500 pessoas em 2008.

A Obra em processo (work in progress) foi apresentada em julho em São Paulo no Encontro internacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano e no Festival de Inverno Cultural de São João del Rey. Em setembro na Semana de Psicologia da UVA e em outubro também na UVA no Seminário Internacional do Mestrado de Psicanálise, Saúde e Sociedades " A verdade e as mentiras" - abertura das X jornadas de Formações Clínicas do Camo lacaniano - Rio de Janeiro.













A Cia. Inconsciente em Cena em São João del Rey no Festival de Inverno (2008).





O Ser da Esfinge


A resolução do enigma da Esfinge é o que faz de Édipo rei de Tebas e marido de Jocasta. Pois ele livra o povo de Tebas do tributo exigido pela “cruel cantora” de sacrificar a ela jovens tebanos que não conseguiam decifrar seu enigma. Édipo decifra e a Esfinge se mata.

Quem é a Esfinge?

A Esfinge, descrita por Sófocles em Édipo Rei, é um ser de composição heteróclita: cara e seios de mulher-menina, corpo de cadela, garras de leão de unhas curvas, asas de pássaro que coloca seu enigma cantando. É uma cadela cantora e virgem.
Autor/ fonte: Ingres.







A Esfinge é um ser violento, meio animal, meio humano que encarna com seu ser-de-metade o semi-dizer da verdade, cujo enigma deve ser decifrado. É um ser de gozo devorador. É um ser da verdade cruel que não deixa o sujeito até que ele a decifre.

Autor/ fonte: desconhecido.






"Decifra-me ou te devoro!"

Autor/ fonte: Fernand Khnopff.


A Esfinge foi enviada por Hera contra Tebas para punir a cidade pelo crime de Laio que raptou Crísipo, por quem se apaixonara, da casa de seu pai Pélops. (este havia acolhido Laio, bebê, em sua casa e seu reino, que fora levado foragido de Tebas quando tiranos tomaram o trono e mataram seu pai, Lábdaco).
Segundo uma outra versão – a de Pausânias – a Esfinge é filha bastarda de Laio, e seu papel é por à prova todos os filhos do soberano para distinguir os nothói (os monstros) dos gnésio (os bem-nascidos). Cf. J.P.Vernant , “O tirano coxo: de Édipo a Periandro”, Mito e tragédia na Grécia Antiga, Ed. Perspectiva, São Paulo, 1995, p. 185.

Autor/ fonte: La granja de San Ildefonso.


Personificação da desmedida de Laios, a Esfinge é a presença do gozo paterno e sua punição: o crime de Laio e a maldição herdada, sobre os quais Édipo não quer saber.


Autor/ fonte: Esfinge de Botero.








Ela é híbrida - termo que remete à hybris, a desmedida. Ela é um ser feroz e desmedido que não hesita em matar os que não decifram seu enigma. Esfinge é um monstro da terra semelhante às sereias, monstros do mar, que levavam com seu canto os marinheiros à desgraça e à morte. A Esfinge se mata quando Óidipous decifra seu enigma. Mas a calamidade que ela representa retorna, anos depois, em Tebas, sob a forma da peste.

Autor/ fonte: estátua grega (museu de Atenas).



"Quando de peste eu me esfingir, tua prole já terá nascido e crescido e teu reino terá conhecido uma década de prosperidade" (a Esfinge em Óidipous, filho de Laios).








Autor/ fonte: Gustave Moreau.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Óidipous, o nome

Óidipous, o nome


Em grego Édipo é Óidipous, nome próprio original que empregamos em nossa versão de Édipo Rei de Sófocles.
Este nome é antes um apelido, pois significa literalmente pés inchados.
Oiden – inchação, de onde deriva o termo edema; e pous - pés.

Seu nome tem também um outro sentido pos é a conjunção de
Oida – eu sei, em grego com pous – pés.
Édipo, carrega um saber em seu pé.
Óidipous pode ser traduzido também por “Eu-sei-do-pé”.

Por que Óidipo tem os pés inchados? Aos três dias de nascido seu Pai, Laios, enfiou um ferro em seus tornozelos para pendurá-lo e mandou Iocaste entregá-lo a um pastor para deixá-lo exposto às intempéries da sorte no monte Citéron para que morresse. Mas este apiedou-se do bebê o deu a um outro pastor, que, o entregou a Mérope e Pólibos reis de Corinto, que não tinham filhos.

Assim, o nome de Óidipous traz a marca de exclusão de sua origem, ou seja, do desejo mortífero do Outro (representado por seus pais). Desde a origem Óidipous é o dejeto do Outro.


O verbo oidao – inchar, ficar inchado – também se refere ao traço característico específico de “ser inflado”... Édipo, o solucionador de enigmas, está inflado e enfatuado por seu “conhecimento” (seu saber – oida) cf. Theodore Thass- Thienemann in Rudnytsky, Freud e Édipo, Ed. Perspectiva, p. 259.

Encontramos também em seu nome pou que, assim como seu correlato hopou, significa onde. Desta forma, seu nome significa “sei onde”.
Seu nome indica um saber sobre um lugar. Que lugar é esse? O lugar de onde veio. O lugar de sua origem. Trata-se da pergunta sobre a origem: de onde eu vim? É a pergunta que ficou sem resposta desde que ele saiu de Corinto e se dirigiu a Delfos para saber sobre sua origem.
Seu nome contém a pergunta e a resposta sobre a origem,: “Quer saber onde nascestes? Teus pés inchados mostram que és de Tebas e que teus pais quiseram matar-te”.

Óidipous, tem no nome e no corpo a marca do saber de sua origem, mas ele, como diz Teirésias, em Óidipous, filho de Laois, “não olhou para os pés, não ouviu os pés e não que pensar com os pés”.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Édipo entre a visão e a cegueira:
o olhar no teatro trágico*
Antonio Quinet


Será que encontramos a estrutura edípica descoberta por Freud na peça de Sófocles? Jean-Pierrre Vernant e Jacques Lacan não pensam que Édipo de Sófocles tenha o complexo de Édipo.[i]
Para Freud, o que se passa com Édipo situa-se no nível do inconsciente, do desejo inconsciente de matar o pai e unir-se à mãe. Mas é a instalação da lei no sujeito que interdita a mãe para o sujeito que constitui efetivamente o complexo de Édipo. Nesse sentido, Édipo não tem o desejo edipiano marcado pela proibição e pela falta, pois ele mata o pai e possui a mãe. O que caracteriza Édipo é que ele de fato possui o objeto do desejo e da lei e, além disso, vê o que fez. O fato de ver o que fez, diz Lacan, “tem como conseqüência que ele veja, no instante imediato, seus próprios olhos entumescidos com o seu humor como tumores vítreo no chão, num confuso monte de imundices pois, por tê-los arrancado das órbitas, perdeu, evidentemente, a visão. Entretanto, não deixa de vê-los, sê-los como tais, como o objeto-causa enfim revelado da última, da derradeira concupiscência – não mais culpada, mas fora dos limites – a de ter querido saber.” E Lacan acrescenta que é a partir desse momento em que se arranca os olhos que Édipo se torna vidente e chega até a prever, quando mais tarde se encontra em Colona, o destino da cidade de Atenas.[ii]
Lacan prefere situar o impulso de saber não do lado da pulsão, mas do lado do desejo: desejo de saber.

O Édipo entre saber e verdade
Para Lacan, a esfinge sustenta o enigma que encarna por seu semi dizer a questão da verdade e o Édipo: “ao responder-lhe – aí é que está a ambiguidade –, acaba suprimindo o suspense que a questão da verdade introduz no povo”.[iii] Édipo cai, efetivamente, na armadilha da verdade, pois ao responder “é o homem” como solução do enigma, o que é eludido e afastado é a verdade do sujeito Édipo e, no entanto, no próprio enunciado do enigma (qual ser que é ao mesmo tempo dipous, tripous, e tetrapous?) pode-se encontrar uma alusão, pela equivocidade da linguagem, ao seu nome (Oi-dipous). De fato, esse enunciado designa o destino de Édipo, destino de um ser que ao mesmo tempo tem dois, três e quatro pés. Trata-se sem dúvida de Édipo, quer dizer do homem “que na progressão da idade não respeita, como diz Jean-Pierre Vernant, pelo contrário mistura e confunde a ordem social e cósmica das gerações. Édipo adulto bípede é de fato, idêntico ao seu pai, o velho cujos passos tem o auxílio de um bastão, o trípede cujo lugar ele tomou como rei de Tebas até mesmo no leito de Jocasta – idêntico também a seus filhos, engatinhando com quatro patas e que são ao mesmo tempo seus filhos e seus irmãos”.[iv] A resposta ao enigma da Esfinge é, de fato, Édipo propriamente dito.

De rei a dejeto
Quem é Édipo? Assim como a fala do oráculo e da esfinge, seu próprio discurso é sempre ambíguo, com duplo sentido, equívoco. A ambiguidade e a equivocidade significantes são, com efeito, meios de expressão e modos de pensar próprios da tragédia grega. Mas a análise de Jean-Pierre Vernant nos ensina que “o equívoco nas palavras de Édipo corresponde ao estatus ambíguo que lhe é conferido no drama e sobre o qual se constrói toda a tragédia“.[v] Verifica-se essa ambigüidade em uma série de inversões que o personagem de Édipo sofre: ele é um no início e outro no final, sendo, no entanto, desde o início aquele que se revela ser no fim. O estrangeiro é, de fato, um nativo de Tebas; o decifrador de enigmas é, ele mesmo, um enigma que não consegue decifrar; o justiceiro se revela um criminoso; o vidente é cego; o salvador da cidade traz sua perdição. “Édipo, aquele célebre para todos, o primeiro dos humanos, melhor dos mortais, o homem do poder, da inteligência, das honras e das riquezas, revela-se o último, o mais miserável e o pior dos homens, um criminoso, um dejeto, objeto de horror para seus semelhantes, odiado pelos deuses, reduzido à mendicância e ao exílio”.[vi] O eixo em torno do qual giram todas estas inversões é aquele no qual em um pólo se encontra o rei divino e no pólo oposto o pharmakós (o bode expiatório), escória da sociedade, a mácula da cidade.[vii]
Se tyrannés e pharmakós, rei e escória fazem de Édipo, como diz Vernant, o “modelo da condição humana”, o ‘símbolo do homem e da sua ambigüidade fundamental”, é porque a peça de Sófocles apresenta o herói nos dois status do ser falante isolados pela psicanálise, isto é, como sujeito e como objeto. No desenrolar da peça, o espectador acompanha a travessia de Édipo que passa de sujeito a objeto.
O sujeito Édipo é rei do significante, é aquele que possui o saber da decifração, aquele que joga com as palavras; sujeito desejante e que conduz o jogo; animado pelo desejo de saber a verdade é ele quem comanda a busca, ele é, o investigador, o descobridor. Pouco a pouco revela-se sua condição de objeto: é ele o objeto da busca, ele é descoberto, mais conduzido do que condutor, objeto causa da peste. Ele é um objeto igual a nada [1187-1188] – não é nada no desejo do Outro: não desejado, é fruto de um lapso de Laio que fora amaldiçoado por seduzir o jovem Crisipo, filho de Pelops que o hospedava. Para se precaver contra o oráculo que lhe predissera que seria morto por seu filho, Laio teria tido praticado somente o coito anal com Jocasta para não ter filhos de espécie alguma. Édipo teria sido o fruto de uma relação sexual em que Laio, bêbado, teria esquecido a maldição que, ao fecundar um filho, se cumpriria. .
Ao nascer, seus pais o consideram um refugo do qual querem se desvencilhar. Édipo reencontra, quando descoberto e banido, esse lugar de nada na medida em que é o dejeto a ser expulso da cidade. Uma vez revelado seu status de objeto a, Édipo não tem mais lugar na Pólis, que representa aqui a ordem social enquanto ordem simbólica. Ele que era o rei do significante – e da decifração - não tem mais lugar na ordem significante – perde a coroa de sua representação. Como o objeto a é o que escapa àquilo que no homem é civilizado, Édipo aparece como desumano, do lado do phaúloi, do pharmakós, “eliminado do lugar social, expelido para fora da humanidade. Ele é de ora em diante ápolis; ele incarna a figura do excluído.”[viii]
Essa travessia de sua posição de sujeito para a de objeto que Édipo realiza faz-se no domínio do escópico, ali no palco onde a pulsão se satisfaz como Schaulust, o gozo do espetáculo.

O sofrimento medonho de olhar
A peça de Sófocles Édipo Rei é uma ilustração das transformações da pulsão escópica (pulsão de ver-ser visto ou pulsão voyerista-exibicionista), da articulação entre o ver e o saber, o ver e o dar-a-ver, e a esquize entre o olho e a visão.
O olhar está no primeiro plano desta peça de teatro, cujo objetivo primeiro é a encenação - o dar-a-ver faz parte da estrutura do espetáculo teatral. O olhar é também a estrela principal de Oidipus tyrannus. Não apenas pelo fato de que contamos cento e dezoito ocorrências de termos relativos ao ato de ver[ix], mas, sobretudo, por causa da abertura progressiva dos olhos do herói, levado pelo desejo de saber devido à ação da pulsão escópica. A peça inteira se sustenta na esquize entre a visão e o olhar.
O desenrolar da peça vai da cegueira dos fatos à cegueira de fato, do cego que se revela clarividente e do clarividente que se mostra cego. Quando a verdade dos fatos descobertos durante a investigação iam saltando aos olhos, Édipo nada via; quando ele a vê, fura os próprios olhos.
Na peça, o olhar como objeto a apresenta-se inicialmente como objeto causa da clarividência. Ele está presente lá onde falha a visão: em Tirésias, o cego que “vê” para além do espetáculo do mundo. Isto significa que nessa tragédia o objeto olhar está do lado do saber e a visão do lado do desconhecimento. De um lado Tirésias o cego que sabe, do outro lado Édipo que vê mas nada sabe. Nessa divisão o olhar está para Tirésias como a visão está para Édipo. Mas Édipo é animado pelo desejo de saber cuja causa é o objeto olhar que, no início está velado, em seguida emerge através das testemunhas (oculares) e no final aparece claramente em cena aberta: Édipo cego torna-se puro objeto do olhar do outro.
Na passagem de sujeito a objeto, Édipo nos leva da visão ao olhar. Enquanto sujeito, Édipo é homem de visão, o espírito esclarecido que vive na luz desprezando as trevas; no ativismo da observação, ele é impelido a ver claramente as coisas tais como são, exigindo que a luz se faça sobre elas. Mas ele é também objeto do olhar do Outro: os espectadores que, como os deuses e Tirésias, conhecendo seu destino, o vêem correr cegamente para sua perdição; olhar das pessoas da cidade, pois ele enfrentou a esfinge “`a vista de todos” e por isso foi considerado sábio [505, 510]. A passagem da posição de sujeito para a de objeto no campo escópico dá-se no processo que vai do ver ao ser visto, do não-saber ao saber, do desejo de ver ao gozo do olhar. Se o processo da busca que o aproxima da verdade é progressivo e gradual, a passagem de Édipo sujeito para a posição de objeto dá-se bruscamente, em corte, no momento do ato de cegar-se. Édipo arranca os olhos para romper com a visão.
Eis a justificativa da autoenucleação: “Não sei com que olhar ao chegar a Hadès, eu encararia meu pai ou minha desafortunada mãe... [1371-74]; “Depois de ter revelado em mim mesmo tal mácula, poderia olhar para estas pessoas sem baixar os olhos?” [1384-85] Ao descobrir seu crime, ele se vê como uma mancha no quadro tebano – ele é a mácula do reino. O ato de cegar, praticado com o broche de Jocasta é perpetrado quando ele vê o cadáver da mãe que se enforcara, isto é, ele se cega quando vê pela primeira vez sua mulher como a mãe por ele possuída. Ele vê sua mãe morta com seu corpo nu dependurado. A castração é o preço por ter possuído sua mãe e é com os olhos que ele paga. Édipo torna-se, então, puro olhar, como objeto mais-de-gozar, por ter se defrontado com o gozo incestuoso da mãe, cuja vista é impossível suportar, causa de horror. “Oh! sofrimento medonho de olhar. Não tenho forças de voltar os olhos para ti, entretanto, eu gostaria muito de te interrogar, de te ouvir, de te olhar: tal é o arrepio de horror que me causas”. [1296-1306]. Pois, no final eis o que, no dizer de Lacan, lhe acontece: “não é que a venda lhe caia dos olhos, são os olhos que lhe caem. Não é neste objeto mesmo que vemos Édipo reduzido não a sofrer a castração, mas antes, eu diria, a ser a própria castração? Ou seja, aquilo que resta quando desaparece dele, na forma de seus olhos, um dos suportes preferenciais do objeto a".[x] Em seu status de objeto escópico, Édipo é o mais-de-olhar.

A hora do olhar
O objeto causa do desejo de ver que movia Édipo revela-se no final como sendo o olhar e o saber torna-se olhar, le savoir aparece como ça voir, como faz aparecer o termo grego Oída (eu sei, eu vi).
A pulsão escópica arremata seu circuito: o sujeito torna-se seu objeto e advém ao saber. No final, encontramos o duplo sentido de seu nome, Oidipus: junção de Oída (eu sei) e Poús (o pé), o saber em sua conjunção com sua marca de exclusão, de rejeição do Outro. O pé inchado, significado de seu nome próprio tratado como nome comum, é, de fato, a marca recebida logo após seu nascimento, como um condenado à morte. Trata-se também daquilo por intermédio do qual mais tarde ele é reconhecido: marca no corpo de seu destino que o condena ao exílio do simbólico. O “pé inchado” é a peça de delito no processo de produção (no sentido jurídico) de seu destino. A produção do destino do sujeito o coloca diante de sua própria castração – status do sujeito enquanto barrado – e traz de novo a cena o objeto olhar.
Quando via a luz, Édipo estava cego para o saber; agora que privado da visão é a hora do olhar que acompanha o saber conquistado – Édipo perde o trono, sua posição no significante, de onde ele via o mundo de cima, para tornar-se um cego errante, clarividente. O olhar é, doravante, o agente: repousa no saber sobre a verdade, como no discurso do analista.[xi] Édipo, diz-nos Lacan, “representa o saber com pretensão de verdade, isto é, o saber que se situa na figura do discurso do analista no lugar do que chamei discurso da verdade.”
Ao responder como “homem”, como se fosse toda a verdade, Édipo a afasta. Poderíamos dizer que, nesse momento, Édipo nada quer saber de sua verdade; no enunciado enigmático da esfinge ele nada vê. Mas a verdade – representada aqui pela verdade do seu destino – retornará na forma da peste que deverá novamente ser interpretada. E é aí que a peça de Édipo Rei começa. Édipo, apesar de suas idas e vindas, jamais recua diante da revelação de sua verdade – ele é impulsionado pelo desejo de saber. Nada o obriga a levar sua investigação até o fim; pelo contrário, Tirésias, Jocasta, o coro, o pastor, todos tentam inutilmente detê-lo e dissuadi-lo. Mas ele não cede de seu desejo, não abre mão de “seu desejo apaixonado de conhecer a verdade a qualquer preço”.[xii]
Vemos através dessa peça de Sófocles, que na antiguidade, não só na ótica, na filosofia, e nos mitos mas também no teatro, o olhar, com seu caráter pulsional (de desejo ou de gozo) está presente. A articulação entre o saber e o olhar que aí encontramos é um fato estrutural como nos demonstra a teoria do objeto olhar e da pulsão escópica na psicanálise.

* Sub-capítulo do livro de Antonio Quinet Um olhar a mais – ver e ser visto na psicanális, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 2004 (2002).
[i] Cf. J.-P. Vernant, “Oedipe sans complexe”, Oedipe et ses mythes, p.1-23; Jacques Lacan, O Seminário, livro 17, p.33-4.
[ii] Cf. Jacques Lacan, O Seminário, livro 10, sessão de 6.3.1963.
[iii] Jacques Lacan, O Seminário, livro 17, p.113.
[iv] J.-P. Vernant, “Le tyran boîteux: d’Oedipe à Périandre” in Vernant, J.-P e Vidal-Naquet, P. Oedipe et ses mythes, p.63-4.
[v] J.-P. Vernant, “Ambigüité et renversement. Sur la structure énigmatique d’Oedipe-Roi”, Oedipe sans complexes, op. cit., p.27.
[vi] Ibid., p.31-2.
[vii] Segundo Vernant, esse aspecto de bode expiatório foi pouco destacado pelos comentaristas. “Os bodes expiatórios eram pessoas recrutadas na ‘ralé da população’ que deveriam ser expulsos através de um ritual para purificar a cidade e liberá-la da sujeira, ao qual a população participava. Isto era feito segundo um rito anual ou quando um loimós era deflagrado devido a um crime. No que tange a Édipo Rei, vemos que Tebas sobre um loimós que se manifesta segundo o esquema tradicional, por um esgotamento das fontes de fecundidade: a terra, os rebanhos, as mulheres não produzem mais, enquanto que uma peste dizima os que vivem. Esterilidade, doença e morte são percebidos como uma mesma mácula, um miasma que desregulou todo o curso normal da vida. Trata-se, portanto, de descobrir o criminoso que é a mácula da cidade ...” op. cit., p.39.
[viii] J.-P Vernant, op. cit., p. 33.
[ix] Cf. M. Milner, “Le yeux d’Oedipe” in On est prié de fermer les yeux. Paris, Gallimard, 1991, p. 67.
[x] Jacques Lacan, op. cit., p.114.
[xi] O esquema dos discursos propostos por Lacan admite quatro lugares (o do agente, da verdade, do outro e da produção) e quatro elementos (S1 – o significante mestre, S2 – o saber, – o sujeito, e a – o mais-de-gozar). No esquema estrutural do discurso do analista, o mais-de-gozar age sobre o sujeito apoiado no saber no lugar da verdade para produzir o significante mestre que sela o destino do sujeito. Cf. Jacques Lacan, “Radiophonie” in Scilicet, 2/3, p.99.
[xii] J.-P. Vernant, “Ambigüité et renversement. Sur la structure énigmatique d’Oedipe-Roi”, Oedipe sans complexes, op. cit, p.27.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Fotos do ensaio



















Fotos do ensaio de Ódipous, filho de Laios.
Figurinos de Valéria Naslausky.



quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A história de Édipo que ainda não foi contada...

O espetáculo “Óidipous, filho de Laios” traz uma interpretação inédita da tragédia. Óidipous (Édipo) foi o alvo de uma maldição que seu pai recebera, quando jovem: “Se tiveres um filho ele te matará e toda tua descendência desgraçada será”. O que Laios fez de tão terrível para receber essa maldição que Óidipous herdou e ignorou? Óidipous escondeu de si mesmo e de todos o crime que seu pai cometera e pagou caro por isso. Por não querer saber da maldição de seu pai, Óidipous foi da cegueira dos fatos à cegueira de fato. Em sua peça, Antonio Quinet desvela o crime de Laios que até Freud encobriu.

Será Óidipous capaz de ver
O que das trevas a luz descobre?
Do parricídio, o filicídio?
Do incesto do filho, o crime do pai?
(Coro do Hades – Avant Scène)

A maldição dos Labdácidas começa com Laios (filho de Lábdaco), cuja desmedida o faz transgredir as leis da hospitalidade e raptar Crísipo, filho de Pélops, que o hospedou no exílio. Laios é amaldiçoado que seu filho o mataria - eis porque manda matar Óidipous assim que ele nasce. Ao escapar do filicídio e tornar-se mais tarde rei, Óidipous, não quer saber da maldição herdada que, no entanto, estava marcada em seu nome e em seu corpo: comete o parricídio, casa com a mãe e transmite a seus filhos o tributo do gozo paterno.

A clássica tragédia grega Édipo Rei


“Édipo Rei” de Sófocles é considerada a obra mais importante da dramaturgia universal. Escrita há mais de 2500 anos e encenada até hoje em todos os países ela não perde a atualidade, pois revela os elementos que determinam o caráter humano: o amor, o ódio, o desejo de saber, a culpa e a punição. “Édipo Rei”, a tragédia que deu origem ao “complexo” do mesmo nome descrito por Freud, conta a história da busca empreendida pelo Rei Édipo em desvendar sua origem. Ao se tornar rei de Tebas após decifrar o enigma da Esfinge, ele deve descobrir quem assassinou Laios, o rei que ele sucedeu. Em um enredo que combina suspense e mistério, Édipo depara com surpreendentes revelações: sem saber foi ele quem matou Laios, que era seu pai, e casou com Jocasta, sua mãe.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Proposta de Encenação

Seguimos a estrutura da tragédia grega em que os episódios (diálogos entre os personagens) se intercalam com a participação do Coro, que tem como função comentar, sofrer os efeitos das ações dos personagens, criar o suspense e aumentar a expectativa dos episódios seguintes.
Aproximamos as realidades da Grécia Antiga e a brasileira, demonstrando que o ser humano que um dia habitou a Europa em seus primórdios é o mesmo que está lá no Xingu e, sobretudo, é o mesmo que vive nossa realidade urbana.
O herói grego é o herói indígena, que, por sua vez, é o herói que habita as cidades brasileiras. Focalizamos a dimensão mítica e poética de nossa origem greco-indígena: uma forma de lidarmos com a realidade nua e crua.
A música, composta especialmente para a peça, acompanha a diretiva da encenação, combinando elementos da poética musical grega, e da musicalidade indígena.
Usaremos a projeção de vídeo com cenas que compõem o mundo mítico dos personagens e imagens de fantasias e sonhos relativas a seus desejos e conflitos.

Ficha técnica e elenco

Direção geral: Antonio Quinet
Direção de cena/ movimento: Regina Miranda
Assist. direção: Renata Diniz
Direção e composição musical: José Eduardo Costa Silva
Preparação vocal: Domingos Sávio de Oliveira
Iluminação: Aurélio de Simoni
Design e figurino: Valéria Naslausky
Pesquisa em vídeo: Fernando Salis
Consultoria do grego: Izabela Bocayuva
Vídeo-composição: Niúria Bellevinha
Produção: Sérgio Saboya e Silvio Batistela
Assessoria de imprensa: João Pontes e Stella Stephany
Elenco: Alexandre Braga, Aline de Luna, André Roman Infante, Carla Stank, Edson Barbosa, Guil Silveira, Lílian Chalub, Marcelo Mello, Priscila Paraíso, Simone Guimarães, Tarik Vasques e Vinicius Couto.