quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O enigma dos pés

Dipous, tripous, tetrapous

A Esfinge - Franz Von Stuck




A Esfinge colocava o seguinte enigma para todos os que chegavam a Tebas.

Quem tem dois pés sobre a terra... e quatro pés...e três pés. E um só nome? Sem mudar de natureza ele pode se mover na terra, no ar ou no mar. Quando ele anda com o maior número de pés sua destreza é menor.
(cf. Asclepíades, poeta trágico do séc. IV AC que escreveu,segundo Jean Bollack, uma coletânea sobre as tragédias)

A versão resumida e simplificada foi a que ficou conhecida:

O que é que de manhã anda com quatros pés, de tarde com dois pés e de noite com três pés?
(cf. Apolodoro e Ateneu)


Óidipous respondeu “É o homem” e a Esfinge se mata jogando-se num precipício. Sua resposta é em parte verdadeira, pois na manhã de sua existência o homem engatinha de quatro como criança, depois como adulto anda com dois pés, na noite de sua velhice, ele caduca com três pés apoiando-se em uma bengala curvado com o peso da idade.


Mas só em parte sua resposta é verdadeira, pois ela “mascara o verdadeiro problema: o que é então o homem? O que é Édipo? A pseudo-resposta de Édipo abre-lhe as grandes portas de Tebas. Mas, instalando-o na chefia do Estado, ela realiza, dissimulando-a sua verdadeia indentidade de parricida e incestuoso" (J.-P. Vernant, Mito e tragédia na Grécia Antiga, Duas Cidades, 1977, p. 91).
O enigma da Esfinge é o enigma da identidade e da origem. O que sou eu? De onde vim?

É o “enigma dos pés”, pois a história de Óidipous está escrita em seus pés - seus pés inchados – que foram furados por seu pai na tentativa de matá-lo para que esse não o matasse e assim se cumprisse a maldição de Pélops. (vide texto deste BLOG “A maldição dos Labdácidas”).


Quem é tetrapous, dipous e tripous, Oidipous? Não dava para escutar o jogo de palavras contido no enigma? Édipo "é o-de-dois-pés", Oi-dipous. A resposta ao enigma da Esfinge é o próprio Édipo.

Sua resposta é, portanto, uma pseudo-resposta. E a Esfinge desaparece naquele momento, mas a verdade que ela encarna volta sob a forma da peste, anos depois, quando ele já tem quatro filhos com sua mãe, Iokaste.


Mas ele só escuta: o homem, no sentido de humanidade e não no sentido de que ele é "o homem" em questão.

Édipo liberta o povo de Tebas da pergunta sobre a verdade, sobre o que é o homem. Assim, ele “suprime o suspense da questão sobre a verdade da natureza humana que ele mesmo encarna” (Lacan, O seminário, livro XVII, O avesso da psicanálise, p. 113-114).

Óidipous, portanto, decifra o enigma da Esfinge e se torna rei, é considerado um sábio fazendo justiça a seu nome: Oi remete a oida que é “eu sei” e pous é “pé”. Édipo é "aquele-que-sabe-do-pé", ele é um “eu sei pé”. Mas é justamente isso que ele não quer saber, movido pela paixão da ignorância.
Ele não escutou o enigma dos pés. E não quis saber de sua origem e do crime do pai

O enigma que a Esfinge está colocando é o enigma do próprio Édipo. Ela está se referindo a ele mesmo: é ele que é ao mesmo tempo criança, adulto e velho. Pois com o incesto ele confunde as gerações sendo filho e marido da mãe e sendo irmão de seus próprios filhos e seria avô de seus sobrinhos se seus filhos tivessem descendentes.

Assim, o nome de Oidipous traz a marca de sua origem, ou seja, a marca de exclusão, a marca do desejo mortífero do Outro (representado por seus pais). Seu nome e seu corpo são os lugares de inscrição de sua história: ele nasceu como o herdeiro do trono de Tebas e seus pais negaram-lhe esse direito e o direito à vida.

Seu nome contém a pergunta e a resposta sobre a origem, a mesma que ele colocara ao oráculo de Delfos, quando saiu de Corinto para saber quem eram seus pais: “Quer saber onde nascestes? Teus pés inchados mostram que és de Tebas e que teus pais quiseram matar-te”.

2 comentários:

  1. Não entendi o final do texto Quinet! Os dois últimos parágrafos.
    Explique melhor por favor!
    Tarik

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  2. Ela diz não, então vá !
    * João Carlos Moura
    No Rio estreou uma peça que já é sucesso em sua curta temporada. Imperdível : Óidipous, filho de Laios - A História de Édipo Rei pelo Avesso, releitura de Sófocles feita com absoluta criatividade pelo psicanalista e dramaturgo Antonio Quinet.
    Quinet é um dos mais brilhantes psicanalistas brasileiros, seus livros já são traduzidos para vários paises, e não raro quando faz palesta no exterior ( EUA, Inglaterra, França...) as salas lotam. É dos lacananianos puros que segundo me disse o psicanalista frances ( em Búzios ) Dominique Inarra quando Quinet vai a Paris fazer palestra ele " fecha o consultório " e disputa lugar nas salas repletas. Quinet não se veste à Lacan, não faz trejeitos e fala para ser entendido. O seu sucesso na clinica é comprovado pelos resultados pró-vida que alcançam seus clientes.
    Falo do Quinet psicanalista primeiro porque não posso imaginar psicanalista que não tenha cultura. Quinet é também grande admirador e colecionador de arte e decoração, e em suas peças de teatro artistas plásticos de alguma forma participam ; nos cenários, figurinos, vídeos etc, daí parte da riqueza visual sempre presente nas suas criações para o teatro que escreve e dirije.
    Quinet não repete jargões do velho teatro, como desejaria a senhora Barbara Heliodora que ainda escreve em O GLOBO sobre " teatro " . Ela foi acusada de ser grande conhecedora de Shakespeare e isto lhe fez um grande mal : quando espera para ver a estréia de uma peça seus olhos recuam do século 18 para trás, até chegar à Grécia e às cavernas, começo do teatro.
    E alí ela fica parada esperando ver o que não existe . Mas sem dúvida ela contribui imensamente para o teatro brasileiro quando fala mal de uma peça: eis então o segredo do seu "não" como um código a ser decifrado: o sucesso da peça ! Se ela diz " não " ao texto, aos cenários e figurinos, à interpretação dos atores e gente da qualidade de Regina Miranda ( responsável pela direção de movimento) é porque algo espetacular, novo, está em cena . E merece ser visto. E na primeira semana de apresentação no SESC do Rio ( Copacabana) as salas estão sempre lotadas. A revista VEJA deu destaque em meia página para a peça Óidipous recomendando como entre os espetáculos no Rio que merecem ser vistos.
    Nesta montagem o clássico Édipo-Rei de Sófocles há uma transformação ( a mágica do teatro) - ou paralelo - entre o homem grego, o homem do Xingu, e o homem da cidade . Mais atualidade que isso impossível . Seria muito mais fácil que Quinet seguisse os manuais do bom tetro grego ( como desejaria a senhora de teatro ) do que ousar-ousar como faz com sucesso na peça em cartaz no Espaço SESC- Mezanino com 80 lugares . O espetáculo fica até 5 de abril. E Quinet dramaturgo já está também no primeiro time.

    * psicanalista e artista plástico

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