quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O teatro e a peste

Artaud
A "boa"peste"

Artaud extrai da peste seu lado positivo: seu caráter revelador do mal latente em todo o ser humano; seu poder de convocar forças, reproduzir conflitos ancestrais, trazendo à luz um impossível a suportar, a nomear: o real traumático de um gozo paradoxal onde dor e prazer se confundem. A peste como a pulsão de morte é poder de criação.



Freud fez o mesmo. Ao chegar aos Estados Unidos, no início do séc. XX, para falar sobre a grande novidade que era a psicanálise, Freud disse a Jung: “Nem sabem eles que estamos lhes trazendo a peste!”
O teatro deve ser tão vigoroso e contundente quanto a peste e quanto uma psicanálise. O teatro deve, como a peste, transtornar e transformar.

Eis o poder da peste com a qual se inicia a tragédia Édipo Rei.








Artaud, em seu livro “O Teatro e seu duplo” escreve:


"Como a peste, o teatro é uma formidável convocação de forças que reconduzem o espírito à origem de seus conflitos.”

“A aterradora aparição do Mal corresponde ao tempo negro de certas tragédias antigas que todo teatro verdadeiro deverá reencontrar.”
“Se o teatro essencial é como a peste, não é por ser contagioso, mas porque, como a peste, ele é a revelação, a afirmação, a exteriorização de um fundo de crueldade latente.”


“Assim como a peste, ele é o tempo do mal, o triunfo das forças negras que uma força ainda mais profunda alimenta até a extinção.”

“Há nele, como na peste, uma espécie de estranho sol, uma luz de intensidade anormal em que parece que o difícil e mesmo o impossível tornam-se de repente nosso elemento normal.”
“Toda verdadeira liberdade é negra e se confunde infalivelmente com a liberdade do sexo, que também é negra.”

“Através da peste, e coletivamente, um gigantesco abscesso, tanto moral quanto social, é vazado; e, assim como a peste, o teatro existe para vazar abscessos coletivamente.”



“O teatro, como a peste, é uma crise que se resolve pela morte ou pela cura. E a peste é um mal superior porque é uma crise completa após a qual resta apenas a morte ou uma extrema purificação. Também o teatro é um mal porque é o equilíbrio supremo que não se adquire sem destruição.
"O teatro convida o espírito a um delírio que exalta suas energias; e para terminar pode-se observar que, do ponto de vista humano, a ação do teatro, como a da peste, é benfazeja, pois, levando os homens a se verem como são, faz cair a máscara, põe a descoberto a mentira, a tibieza, a baixeza, o engodo; sacode a inércia asfixiante da matéria que atinge até os dados mais claros dos sentidos.”

Um comentário:

  1. Quinet

    Gostei muito de sua viagem pelas palavras de
    Artaud, que anda tão abandonado, e é tão fundamental.
    Voltarei sempre a seu blog. Obrigado por ele!
    Abraço
    José Castello (escritor, jornalista, colunista do Jornal "O Globo".

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